segunda-feira, 22 de setembro de 2014

DOS POEMAS, DE LURDES BREDA



I

A cara do tempo
Tem o cansaço
E os gestos ceifeiros
Das mulheres-planície
Que cantam na língua do sol.

O verão pousa-lhes na pele
Como um pássaro fora de tempo
A debicar, por entre flores de cardo,
A solidão do restolho.

O tempo já esqueceu
O abraço das heras
E as palavras dos homens
Feitos verbo,
Que encerram dentro do peito
A morte dos dias.



La cara del tiempo
muestra cansancio
y los gestos de siega
de las mujeres-planicie
que cantan en la lengua del sol

El verano se les posa en la piel
como un pájaro fuera del tiempo
picoteando, por entre flores de cardo
la soledad del rastrojo.

El tiempo ya se ha olvidado
del abrazo de las hiedras
y las palabras de los hombres
hechos verbo,
que encierran en el pecho
la muerte de los días



II


Carnívora, sobre o teu corpo,
Abro-me, flor faminta,
Até a lua crescente
Retalhar a carne
E o meu grito felino
Explodir no teu eu


Carnívora, sobre tu cuerpo,
me abro, flor hambrienta,
hasta que la luna creciente
recorte la carne
y mi grito felino 

estalle en tu yo



© Texto: Lurdes Breda 
© Tradução: Xavier Frias Conde

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

QUATRO POEMAS DE VANESSA GUTIÉRREZ


I

Escuéndime de los suaños escuros.
De les manes sangrientes
que dibuxen el mio nome nes parés.

Tápame de los milenta cristales
nos que se desfaen los mios güeyos
cada vez que sobrevivo.

Guárdame del tiempu del odiu
y de la tierra d’olvidu
na que van desterrame.

De tolo que nun merezo
de lo que nun deseo,
porque prometo que soi inocente,
anque tea poseída pol páxaru verde del mal.

Ye cierto qu’abro les manes
y nacen el fueu y les espines.
Que la mio llingua españa en llamaes
cada vez que me nombro.

Que soi ’l diañu y la muerte
y que toi famienta de les tos intenciones.
Pero suplícote llealtá y entrega
porque sé que tu nun vas negame.

La otra voz que naz en min
(la que fuxe y se rebela)
quier alvertite a pesar de too:

Cuerri. Escuéndite tu.
Guárdate del mio amor
y de les mios traiciones.


Esconde-me dos sonhos escuros
Das mãos sangrantes
que debuxam o meu nome nas paredes.

Cubre-me dos milheiros de vidros
em que se desfazem os meus olhos
cada vez que sobrevivo.

Guarda-me do tempo do ódio
e da terra do esquecimento
onde me vão desterrar.

De tudo o que não mereço
de tudo o que não desejo,
porque prometo que sou inocente,
embora esteja possuída pelo páss
aro verde do mal.

É certo que abro as mãos
e nascem o lume e as espinhas.
Que a minha língua estoura em lapas
a cada vez que te nomeio.
Que sou o diabo e a morte
que estou famenta das tuas intenções
Mas hei de tè suplicar lealdade e entrega
porque sei que tu não vais negar-me.

A outra voz que nasce em mim
(a que foge e se rebela)
quer advertir-te apesar de tudo:

Lisca. Esconde-te ti.
Guarda-te do meu amor
e das minhas traições.



II
Cuando yera una guah.a
tenía mieu a les solombres de los árboles:
víales tan grandes
que creyía que me tragaben.

Depués,
entamó a atérrame la inmensa escuridá:
diba pela neñez
marchando a tientes
y tarreciendo cayer.

Na mocedá
amedrentábenme los silencios
y tolo que desconocía:
asina que trabata siempre de saber más.

Agora,
un poco menos xoven,
yá sólo me dan mieu les palabres.


Em menina
tinha medo das sombras das árvores;
via-as tão grandes
que criam que me engoliriam.

Depois,
começou a me aterrorizar a imensa escuridão:
ia pela infância
caminhando às cegas
e com medo a cair.

Na mocidade
amedrentavam-me os silêncios
e tudo o que desconhecia:
portanto tentava saber sempre mais.

Agora,
um bocadinho menos nova
já só me põem medo as palavras.



III

A J. R. F.

Presiéntote entrando a tientes…
y como nun quiero asústate,
ciarro los güeyos y finxo siguir dormida,
mentes escucho la to respiración forciada…

Voi aldovinando ’l percorríu de les tos manes,
de la que retires les sábanes
que me cubren de misterio y de vergoña.

Ya cásique controlo ’l xirpíu
que provoquen les tos piernes allugándose a les míes.
Ye custión de tientos y d’años…

Como si fora un gatu,
fáigome con cuidáu a los tos espacios,
y calístriome del fogaxe qu’esborda la to piel
y que-y falta a la mía.

Entovía queden respingos ente nós…
Eso nos salva de la quema.



A J. R. F.


Presinto-te a entrar às toas...
e como não quero assustar-te,
encerro os olhos e finjo-me adormecida,
enquanto escuto a tua respiração forçada...

Começo a adivinhar o percurso das tuas mãos,
enquanto retiras os lençóis
que me cobrem de mistério e vergonha.

Já quase controlo
o pulinho que provocam as tuas pernas a entrelaçar as minhas.

É-tè questão de tentos e de anos...

Como se fosse um gato,
afaço-me atenta aos teus espaços,
e impregno-me da fogagem que reborda a tua pele
e que falta à minha.

Ainda ficam calafrios entre nós...
Isso salva-nos da queima.



III

Sentíte falar con señaldá
de la tierra que nun tienes,
de la neñez perdida.
Yo, llonxana,
como siempre,
nun acertaba a falar:
pensaba que, si la patria ye un temblor,
tu yes munches,
                                munches veces,
patria mía.



Senti-te falar com senhardade
da infância perdida.
Eu, afastada,
como sempre,
não conseguira falar:
pensava que, se a patria é um tremor,
tu és muitas,
                     muitas vezes,
a minha pátria.


Texto: Vanessa Gutiérrez
Tradução: Xavier Frias Conde

domingo, 14 de setembro de 2014

NÃO ÉS SENÃO TEMPO, DE FRANCESC MOMPÓ




ETS SOLAMENT TEMPS

A males penes el frec d’una papallona
quan un crit de jovenesa a deshora
et fa girar el cap,
consciència que has viscut,
intrusa portadora de sols passats
i, llavors, desesperat, busques imatges fugisseres
al cor dels colors
i vols fer-les captives
a la llum dels mots més precisos;
però acarones el marbre
com si cisellares els pètals de la rosella.
Polsim i fum entre els dits
de la vestal més fosca.
Vols refrescar-te en aigües antigues
d’un riu que ja no et pertany
mentre tens peus de barranc i marge
que et condueixen per les sendes de la por
amb una melodia de grava remoguda.
Només et resta la fondària d’un pou pairal
on esdevens record
en un present impossible
i t’adones que ets matèria sensible,
ets matèria de déus,
ets solament temps.


NÃO ÉS SENÃO TEMPO

Dificilmente o roçamento de uma borboleta
quando um berro de juventude serôdia
faz-tè virar a cabeça,
consciência que viveste,
intrusa portadora de sóis passados
e, na altura, desesperado, procuras imagens fugidias
no coração das cores
e queres torná-las cativas
à luz das palavras mais precisas;
mas acarinhas o mármore
como se cinzelasses as pétalas da papoila.
Pó e fumo entre os dedos
da vestal mais escura
queres refrescar-te em águas antigas
de um rio que já nem tè pertence
enquanto tens pés de barranco e margem
que te levam pelas sendas do medo
com uma cantiga de cascalho remexido.
Apenas tè fica a fundura de um poço solarengo
onde viras lembrança
num presente impossível
e dás conta que és matéria sensível,
és matéria de deus,
não és senão tempo.

Texto: Francesc Mompó
Tradução: Xavier Frias Conde

sábado, 13 de setembro de 2014

DOUS POEMAS MAIS DE CHRISTINA ROSSETTI




I

The hope I dreamed of was a dream,
Was but a dream; and now I wake
Exceeding comfortless, and worn, and old,
For a dream’s sake.
I hang my harp upon a tree,
A weeping willow in a lake;
I hang my silenced harp there, wrung and snapt
For a dream’s sake.
Lie still, lie still, my breaking heart;
My silent heart, lie still and break:
Life, and the world, and mine own self, are changed
For a dream’s sake.

A esperança com que sonhei era um sonho,
apenas um sonho, e agora desperto
afeito desacougada e esgaçada e velha
por mor dum sonho.
Penduro a minha harpa numa árbore
um salgueiro chorão num lago.
Ali penduro a minha harpa esvaradia e quebrada
por mor dum sonho.
Sossega, sossega meu rompente coração
Meu calado coração, sossega e rompe:
a vida e o mundo, o meu próprio eu mudaram
por mor dum sonho.

II

When I am dead, my dearest,
Sing no sad songs for me;
Plant thou no roses at my head,
Nor shady cypress tree:
Be the green grass above me
With showers and dewdrops wet;
And if thou wilt, remember,
And if thou wilt, forget.


I shall not see the shadows,
I shall not feel the rain;
I shall not hear the nightingale
Sing on, as if in pain:
And dreaming through the twilight
That doth not rise nor set,
Haply I may remember,
And haply may forget

Quando eu morrer, meu caro,
não cantes cantigas tristes por mim,
não plantes rosas na minha cabeça,
nem sombrios alciprestes:
hás de ser erva verde sobre mim
con poalha e pingas de orvalho molhadas.
E lembra, se quiseres.
E esquece, se quiseres.


Não verei as sombras,
não sentirei a chuva,
não ouvirei o rouxinol
sempre a cantar, como se tivesse dores:
e sonhar pelo ruivém
que nem se ergue nem desce
e talvez me lembre
e talvez me esqueça.
Texto: Christina Rossetti
Tradução: Xavier Frias Conde

Audio version of When I am dead here

POEMAS DO PADRE GALO

Este poema pertence a Fernán Coronas, o Padre Galo segundo o seu alcunho literário. É considerado um dos melhores poetas em asturiano de todos os tempos. Usou a sua fala ocidental do concelho de Valdés. A tradução para galego saiu quase automaticamente pela proximidade lingüística e cultural. Abraia o achegamento que este grande poeta asturiano tem con Rosalía de Castro, ao menos neste poema:
Escurece-se-me outra tarde
desta minha vida breve;
estou sozinho no meu solheiro
co'a luz do sol que morre,
a escutar que aqui dentro
no meu peito, batem golpes:
Disque são as marteladas
dun martelo persistente
que martela e martela,
quer de dia, quer de noite.
Sem cessar está a crabunhar
a gadanha da morte.


© Texto: Fernán Coronas (Padre Galo)
© Tradução: Xavier Frías Conde

O EXCESSO E OUTROS POEMAS, DE BIBIANA COLLADO




O EXCESO 


A memoria é o espazo da reapropiación.

Vivo para contalo. Gardo tódalas fotos
para as que me pediron que sorrira.
María do Cebreiro
Está a acontecer fora,
no aqui precário,
quebradiço,
que vira justo no momento
em que entupe
o objetivo.
Un erro do sistema.
A fração de segundo,
que demoro para me virar.
Um fora do plano.
O exterior inacessível.
Aconteceu outra volta
sem eu o ver.

PARÀLISE 

Baixando sen vagar os chanzos da escaleira

chegamos até a porta candente que agardaba
coa exacta precisión dun día calculado.
Marta Dacosta
Vejo-te queda,
tão queda
que por vezes tenho medo.
E procuro o detonante,
a tecla fria, de aço
onde premir.
A ação que não me imobilize a mim.
E vejo-a chorar a ela,
perante o horror do teu acougo.
Mexendo-se con rapidez
como para suplir 
a tua permanência.
Nenhuma de nós as duas
o logramos.
Hoje tão-pouco saíste
do quarto. Hoje tão-pouco
sabes dizer o que 'te passa.
Somente esta doçura estática
e friagem, no fundo.


© Textos: Bibiana Collado
© Tradução: Xavier Frías Conde.

POEMAS, DE ÀNGELA MORENO GUTIÉRREZ

Angela_Moreno_Gutierrez

I

Um jardim de arestas mata-me os sóis neste desassossego de memórias que me prestas no esparzimento de vértices e nomes, como uma confabulação de costas para a presença incriada do amor, onde caía com os espelhos de geolhos em frente ao altar de metáforas murchas e isso, nesse ínterim da neurose, vira um dilúvio estendido entre redes marginalizadas como a única palmatória para o peito cruzado de bicos paridos com o máximo cuidado e alimentados com a mão que que me queima sob os beijos na casa desabitada.



II


Tão chocante, tão irrevogável como a drenagem do coração nas arestas: vestidos de outono, irreparável, aberto ao gira-noite, imparáveis na agulha da unidade.


Como se não existisse qualquer fuso que os retiver.


III


E este costume anacrónico de amontoar objetos inutilizáveis nas gavetas do desacougo até que todos juntos agoiram o que estava escrito: como um autómato de balor começa o êxodo dos sonhos estourados contra os barrotes da fortaleza de um berço, quimeras que deles faziam fumo na lassitude do nada.


© Texto: Àngela Moreno Gutiérrez
 © Tradução: Xavier Frias Conde

NASCESTE EM PALESTINA, DE ANTONIO CAPILLA



NACISTE EN PALESTINA

Naciste en Palestina, en Nazaret,
Y qué feliz estás de ser nacida.

Islámica es tu fe, y luna radiante
El aire de la noche que respiras.

Eres luz en la sombra que te ciñe...
Tras el muro que te entierra tú estás viva.

Y yo en ti veo el sol que no te damos,
Axa, Fátima, Marién... la luz del día.


NASCESTE EM PALESTINA

Nasceste em Palestina, em Nazaré,
E que feliz és de ser nascida.

Islâmica é a tua fé e lua radiante
O ar da noite que respiras.

És luz na sombra que te cinge...
Trás o muro que te enterra tu estás viva.

E eu vejo em o sol que não te damos.
Axa, Fátima, Mariém... a luz do dia


Texto: Antonio Capilla 
Tradução: Xavier Frias Conde

DREAM LAND, DE CHRISTINA ROSSETTI



DREAM LAND

Where sunless rivers weep
Their waves into the deep,
She sleeps a charmed sleep:
Awake her not.
Led by a single star,
She came from very far
To seek where shadows are
Her pleasant lot.

She left the rosy morn,
She left the fields of corn,
For twilight cold and lorn
And water springs.
Through sleep, as through a veil,
She sees the sky look pale,
And hears the nightingale
That sadly sings.

Rest, rest, a perfect rest
Shed over brow and breast;
Her face is toward the west,
The purple land.
She cannot see the grain
Ripening on hill and plain;
She cannot feel the rain
Upon her hand.

Rest, rest, for evermore
Upon a mossy shore;
Rest, rest at the heart's core
Till time shall cease:
Sleep that no pain shall wake;
Night that no morn shall break
Till joy shall overtake
Her perfect peace.



TERRA DE SONHOS

Onde os rios sem sol choram
as suas ondas no profundo,
ela dorme um sono encantado:
Non a desperteis.
Da mão de uma simples estrela
chegou de muito longe
para averiguar onde moram as sombras,
o seu doce desígnio.

Abandou a manhã rosada,
abandou os campos de milho,
por um ruivém frio e desolado
e fervenças.
No sono, como na vigília,
percebe pálido o céu
e escuta o rouxinol
que triste canta.

Repouso, repouso, un perfeito repouso
espalha pela testa e pelo peito.
O seu rosto mira para o oeste,
para a terra púrpura.
Não consegue ver o grão
a amadurecer na chaira e no alto;
não consegue sentir a chuva
a cair na sua palma.

Repouso, repouso, para mais sempre
numa praia coberta de musgo;
repouso, repouso no miolo do coração
até o tempo cessar:
dorme que nenhum tempo despertará;
noite que nenhuma manhã quebrará
até a ledícia conquistar
a sua paz perfeita.


Texto: Christina Rossetti
Tradução: Xavier Frias Conde


A MUDAR GEOGRAFIAS, DE SILVIA CUEVAS MORALES


CHANGING GEOGRAPHIES

Migration
People from the past
            you can no longer hug
Evoking moments
            streets, squares, faces
Things you can no longer touch

People from one’s childhood
            - doesn’t matter if they’re dead or alive...
You can no longer see them
            hear or speak to them
in real time

Conversations are hurried
            letters arrive too late
Only photographed faces stare
            fixed in a lost space

Three of us survived
            as we made Australia home
Away from bloody dictators
            ignorant of humanitarian rights
            still not paying for  their wrongs

Mother lost her battle with cancer
            and left us to  cope alone
Perhaps she went back to Santiago
            to the Andes, to her own Chilean ghosts

Always looking for something
            I left my Melbourne, my city of Fitzroy
Now my only two relatives exist in the distance
            My sister in Northcote
            My father in Maribyrnong

And in this circular journey
            I feel closer to my Chilean heart
            for here they speak my language
But funny ... now I long
            for a bit of my Aussie land

Caught in the middle of a map
            trying to hold on to a cartographer’s hand
Changing jobs, houses, languages
            leaving lovers behind

Being the foreigner
            the “wog”
            the “sudaca”
Never fitting in the new land

Changing geographies
            running from the past
But some nights ghosts haunt me
            and beg me to go back

And I surround myself with memories
            cheap mementoes
            of things gone by
that only survive in my memory
            for in reality,  they are no longer alive.

But distance is real
            - gradually,  one does grow apart –

Published in Changing Geographies. Universidad de Barcelona, 2001.

A MUDAR GEOGRAFIAS

Migração
Gente do passado
    já nem podes abraçar

Evocar momentos
    ruas, praças, rostos
Coisas que não voltarás a tocar

Pessoas da própria infância
   - nem se importa se vivos ou mortos -

Já não podes vê-los
    nem ouvi-los nem falar-lhes
    em tempo real

As conversas apressam
    as cartas chegam tarde demais
apenas fitam os rostos nas fotos
    quedos em espaços fixos

A mãe perdeu a batalha contra o cancro
    e deixou-nos a nos arranjar sozinhos
se calhar voltou a Santiago
   aos Andes, aos seus próprios fantasmas chilenos 

Sempre a procurar algo
   abandonei a minha Melbourne, a minha cidade do Fitzroy
Agora os meus dois únicos parentes existem na distância
    minha irmã em Northcote
    meu pai em Maribyrnong

E nesta viagem circular
    sinto-me mais perto do meu coração chileno
    porque aqui falam a minha língua
Mas é engraçado
    agora sinto saudade da minha terra australiana

Capturada no meio de um mapa
    a tentar apertar a mão de um cartógrafo
a mudar empregos, casas, idiomas
    a deixar amantes às costas

Ser a estrangeira
   a “wog”
   a “sudaca”
sem conseguir encaixar na nova terra

A mudar geografias
   a se afastar do passado
mas por vezes os fantasmas me caçam
   e pedem-me voltar

E rodeio-me de lembranças
    de mementos baratos
    de coisas passadas
que apenas sobrevivem na minha memória
    pois de facto já não estão vivas

Mas a distância é real
–– aos poucos, um já medra à parte ––

Texto: Silvia Cuevas Morales
Tradução: de Xavier Frias Conde
    

NOTA ETNOGRÁFICA, DE P.A. MARÍN ESTRADA



NOTA ETNOGRÁFICA

Um casario abandonado,
os mortos deixaram
a roupa no tendedoiro
e a porta entreaberta,
avondava entorná-la
para profanar o derradeiro
açougue da privacidade
dos que ali moraram:
a mesa da parva
ainda revolvida de faragulhas
e um pingo de leite
calcificado no mantel de hule,
havia também um caço porco
um colher, um coador com café
magorento, um rodilho teso
de pano apegado ao respaldo
duma cadeira, uns óculos redondos
botados polo chão. Não prestava
seguir a furgar para além
da cozinha... Dava mágoa e fedia,
um fedor râncio, nojento,
enchia a casa baldeira.
Pensei: "O diabo não existe,
apenas a morte pode deixar
este fedor por onde passa".
© Texto: Pablo Antón Marín Estrada
© Tradução: Xavier Frías Conde

SPHYNX, DE KAREN BOYE


Descobri nestes dias uma autora sueca, uma poeta do século XX. Eu não posso ler em sueco, mas sim encontrei umas boas traduções dela para inglês. Este é um exercício tradutológico e literário traduzindo-a para português da Galiza

A UMA ESFINGE

És como o molusco duma charca congelada
onde nunca chegam os raios do sol.
Nunca se arrisca fora da sua concha,
não pode esquecer a sua prisão,
apenas pode esconder
a sua mais íntima essência
e sonhar com grandes façanhas
entre as algas,
mas nunca completa
e indivisivelmente
vaziar-se em palavras ou obras.

O teu discurso desprende ironia.
Tentas cobrir
com frio fingido
o calor da vida que mora dentro.
Mas treme a tua voz,
é tão débil.
Vê-se o teu rubor
trás cada pálida bochecha.
Un pássaro de lume arde
num lugar secreto
que ninguém conhece,
que ninguém rastreia.

És frágil e débil e mansa demais
para todos os conflitos que desamarram:
hás de aturar vestir armadura
no jogo tirânico da vida.
És como um molusco numa charca congelada
que nunca se arrisca fora da sua concha,
tão inatingível,
tão incompreensível,
que ninguém se te abeira, nunca.

© Texto: Karen Boye
© Tradução: Xavier Frias Conde